Num testemunho que aqui já postei, tal como a Sandra Morato , outra mãe, a Ligia, foi convidada pelos estudantes da Escola Secundária de Peniche para conversar com os alunos sobre questões relacionadas com as problemáticas no desenvolvimento.
Aqui fica o registo dessa iniciativa de esclarecimento necessário para que a sociedade encare a temática da diferença como uma realidade.
Uma vez mais, agradeço a gentileza da Sandra que me facultou este registo, estendendo o agradecimento e parabéns aos alunos, que permitem esta partilha.
EC
Relatório da reunião com Lígia Rocha
"No passado dia 2 de Dezembro de 2010, no âmbito da disciplina de Área de Projecto, cujo tema/problema do nosso grupo de trabalho aborda: “Crianças em risco e jovens com deficiência”, tivemos uma reunião com Lígia Rocha, que teve lugar na biblioteca da nossa escola, com intuito de nos falar um pouco sobre a sua experiência como mãe, do seu filho João de 11 anos, portador de uma deficiência motora.
A Lígia começou por nos contar que o João nasceu como um bebé aparentemente normal, sem que fosse detectada alguma anomalia durante a gravidez. Aos 6 meses de idade, a mãe detectou alguma irregularidade no João, porque quando o João estava deitado de barriga para baixo, não tinha força nos braços para se tentar levantar. Logo então, levou o seu filho ao pediatra, Dr. António Levy, que após o observar, disse á Lígia que o seu filho tinha uma deficiência motora, por isso que não se conseguia tentar levantar. Inicialmente deduziu-se que fosse da coluna, tese depois eliminada.
Por via das dúvidas, recomendou-a que fosse ao Hospital Santa Maria nesse mesmo dia porque ele estaria lá de banco, para que assim a Lígia e o João pudessem entrar no serviço de urgência para fazer exames. Após a realização de vários exames e o diálogo entre os médicos chegou-se por fim á conclusão de que o João teria uma Miopatia Nemalinica, doença congénita rara ainda em estudo. A Miopatia Nemalinica é uma doença não progressiva, os ossos crescem mas os músculos não desenvolvem, os músculos têm a forma de “bastão” (estão todos desorganizados). O João conseguiu andar até aos 7 anos.
Aos dois anos, o João teve a sua primeira doença. Um pneumonia dupla, após isso, o João foi perdendo as suas capacidades motoras, a mãe referiu mesmo que, “Saí de lá com um bebé”, devido á sua total dependência da mãe. Nesta pneumonia, o João esteve em perigo de vida, foi internado de 7 de Novembro a 27 de Dezembro no hospital das Caldas da Rainha durante uma noite e o restante no Hospital Santa Maria. Quando a mãe lá chegou estava tudo preparado para o receber, o João nessa pneumonia, tinha o CO2 a 108 e apneia do sono (paragem respiratória durante o sono). O médico foi o próprio a dizer a mãe que o João “não duraria muito”, após ter ouvido isto a Lígia pediu ao médico para fazer todos os possíveis para que o João sobrevivesse, e cuidar dele como se fosse seu.
Mais tarde, o médico deu duas opções á mãe: ou o João “crescia”, isto é, teria a própria iniciativa de começar a respirar por si próprio ou teriam de lhe abrir a garganta.
A mãe disse para o João: “filho, arranja forças porque a mãe também tem”. O João começou a melhorar notoriamente.
Até aos 5 anos, o João teve três pneumonias, causadas pela reacção à vacina da gripe. Pois, talvez devido ao desconhecimento de que após as 24 horas que se seguem à vacinação contra a gripe, não se deve comer nada proveniente de aves, para não provocar uma má reacção ao vírus, este conselho é muito desconhecido pelo senso comum. Quando necessário, o João tem sempre o Hospital das Caldas da Rainha pronto para o auxiliar.
Depois abordava-se a opinião de se fazer uma traqueotomia para facilitar a respiração em que o João estaria 22/23 dias de ventilação. Gerou-se um conflito entre os médicos quanto á realização ou não da operação, no final a operação acabou por não ser feita, opinião de qual a mãe padecia também.
Aos 7 anos fez uma maxilo-facial, por o maxilar superior não avançar, a cirurgia plástica estaria agendada para Junho e consistiria na colocação de 8 ferros sobre a face, para fazer avançar os maxilares. A cirurgia acabou por ser adiada para 24 de Setembro, data em que o ano lectivo já teria começado e que iria para a primeira classe. O motivo do adiamento da cirurgia teria sido a espera de um novo método que teria vindo dos EUA e seria experimentado pela primeira vez, no João. Em que os ferros seriam então colocados no interior da cara e não por fora. Quando a mãe aguardava ansiosamente o João, ele vinha então com ligaduras á volta da cara e 8 garrafas (entre elas soro, seringa da veia do pescoço, tornozelo, etc.). A cirurgia foi considerada um sucesso e permitiu no total, avançar 2,5 cm de maxilar.
Estará marcada uma próxima cirurgia, uma maxilo-facial de reconstrução final (de adulto), para quando o João tiver 13 anos.
Em seguida, A Lígia falou-nos também um pouco sobre o dia-a-dia do João. Faz tosse assistida para retirar todas as secreções existentes na altura, por não ter força para tossir. É um pouco mais lento a acordar, sempre que entra as 9 levanta-se às 7 e o seu rendimento é melhor da parte da tarde, ao contrário das outras crianças. Faz fisioterapia nas Caldas da Rainha durante duas horas. A Lígia salientou também o bom acompanhamento dos profissionais de saúde que lá trabalham no acompanhamento das crianças. O João faz também piscina, actividade importante para o desenvolvimento dos músculos.
O João tem uma vida normal, faz amizades facilmente, quando chegou ao 2.º ano já sabia ler correctamente, pois é fruto do trabalho de casa, estimulo dado pela mãe, frequenta a escola D. Luís de Ataíde – Peniche, é um bom aluno, tira quatros nos testes sem estudar; começava por escrever com a mão esquerda e acabava de escrever com a direita, mas como que por “teimosia” da professora, escreve só com a esquerda (canhoto), consegue escrever no computador através do teclado no ecrã e utiliza um rato especial (formato de uma bola grande), fala baixo mas correctamente, o João passeia em todos os sítios, dá os seus “a pé” na sua cadeira eléctrica, a sua turma foi a vencedora a nível distrital, do concurso “Escola Segura”. A sua mãe fez um pedido para se proceder á colocação de uma mesa especial adaptada às necessidades do João (uma mesa que se pudesse regular a altura) para que o João coubesse na mesa com a sua cadeira de rodas, neste momento existem 3 mesas dessas na escola.
O João sendo um rapaz bastante inteligente, com apenas 11 anos aquilo que quer e os seus direitos, pois ele próprio pediu á sua médica uma cama especial em que pudesse inclinar a parte de cima para não estar sempre a chamar a sua mãe para o levantar. Um pouco mais tarde, pediu também a sua cadeira eléctrica para se poder movimentar.
Ainda existe alguma discriminação e preconceito contra as pessoas portadoras de deficiência, sendo o João prova disso pois foi vítima de discriminação na escola primária e depois na escola básica por duas professoras.
Para terminar a mãe falou-nos de coisas que aprendeu com esta experiência e com o seu filho, os profissionais de saúde ensinaram-na a trabalhar com o seu filho, ensinou-a a dialogar com outros pais sobre os seus filhos para trocar opiniões, técnicas e em conjunto procurar melhores cuidados a ter com os seus filhos, algo importante de salientar foi uma frase dita pela Lígia “filho normal cada um tem, filho especial nem todos tem capacidade para o ter” pois, para os pais com crianças especiais as outras crianças é que são diferentes. Agradecemos à Lígia pelo seu testemunho pois podemos constatar que a Lígia é uma verdadeira “Mãe Coragem” tem uma força enorme dentro de si agradecemos também a sua disponibilidade em colaborar connosco neste projecto."
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