As concepções da Educação sempre estiveram (e certamente sempre estarão) dependentes de uma ideia que se tem sobre a pessoa que se educa e sobre o que ela deve ser capaz de ser ou fazer como adulto. A vertiginosa aceleração tecnológica das últimas décadas suscitou reflexões novas sobre estas ideias e que têm óbvios impactos educativos.
Pergunta-se se estaremos preparados para lidar com tanta e tão dispersa informação. É frase recorrente que os alunos de hoje são mais superficiais nas suas análises mas igualmente, muito mais extensos no conjunto dos seus conhecimentos. Por vezes este acúmulo e dispersão de conhecimentos é evocado para justificar os elevados níveis de stress e ansiedade que se observam na escola (de alunos e professores) e justificam mesmo o aumento de alunos com hiperactividade e deficit de atenção. A questão é pois “Será que a nossa organização biológica é capaz de lidar capazmente com as exigências de uma sociedade complexa do sec. XXI?”
Pergunta-se ainda o que é necessário para transformar a informação em conhecimento; como é que a abundante informação disponível pode ser interiorizada, integrada como uma aprendizagem (estável e utilizável) no reportório do indivíduo. E aqui as respostas científicas (não as do senso comum) são muito coerentes: a informação torna-se em conhecimento quando é usada e experimentada em contextos “ecologicamente válidos”. Quer isto dizer que a acção, a actividade, a “praxis” do aprendente é determinante para que um conceito que originalmente estava na internet, num livro ou no discurso de um professor se torne algo que contribui para cada pessoa mudar a representação e actuação que tem do e no mundo.
Pergunta-se finalmente como se podem tornar as pessoas (vide alunos) mais eficientes para a sua vida futura. Nas respostas a esta pergunta aparece inevitavelmente a palavra “responsabilidade”. Para ser mais eficiente é condição necessária que o aluno seja “responsável”. Estaremos todos de acordo “em princípio”. Mas esta responsabilidade não pode ressuscitar a teoria do “homúnculo”. Falava à pouco com um dirigente de uma sociedade científica que defendia que a “responsabilidade” do sucesso devia ser atribuída ao aluno desde o princípio da escolaridade básica. Falar de responsabilidade de forma tão precoce, tão impositiva e tão individual cria muitas dúvidas. As responsabilidades que queremos que os alunos adquiram são, sem dúvida, um valor que se constrói de forma progressiva e na relação com os outros.
Sabemos que a espécie humana é a menos auto-suficiente de todas. Dependemos da ajuda e das capacidades alheias mais do que qualquer outra espécie. (Se tiverem dúvidas sobre isto, pensem das coisas que fizeram hoje quais são as que conseguiram fazer de forma totalmente autónoma, sem a ajuda de outros…). Mas a nossa força provém exactamente desta aparente fragilidade: esta longa dependência ajuda-nos a desenvolver capacidades conjuntas e a viver num mundo de intercâmbio de competências. Até Victor de Aveyron teve que viver junto de outros animais para sobreviver. Assim, ser eficiente não é resolver tudo sozinho: ser eficiente é ser capaz de conhecer e usar os recursos que estão à volta de cada um. Recursos que estão na diversidade das pessoas que nos ensinam, nas pessoas que connosco aprendem, que vivem à nossa volta, nos recursos de equipamento, informática, organizacionais e outros a que podemos aceder. Já se disse que o nosso corpo (isto é, nós) é incapaz de viver adequada e eficientemente sem usar ajudas externas que lhe permitem encarar as ciclópicas exigências dos ambientes em que vivemos. Ser eficiente é saber como usar as próteses necessárias à realização da nossa vida.
Podemos precisar de mais ou menos próteses: próteses de tipos diversos, por mais ou menos tempo, mas elas lá terão que estar para podermos participar solidariamente na sociedade.
A ligação deste conceito de eficiência – prótese à forma como se pensa a Educação é evidente: se concebermos o nosso ensino como dirigido a um aluno individual, um aluno auto-suficiente, estaremos certamente a diminuir as suas possibilidades, no futuro, para trabalhar em equipa, para negociar projectos ou planos de trabalho, enfim, para usar toda a diversidade de próteses que necessita. É por isso que dizemos que ter a oportunidade de trabalhar com colegas com capacidades (necessariamente) diferentes, é um direito do aluno e, se isso lhe for negado, poderemos ter alguns resultados rutilantes a curto prazo mas estaremos a educar alguém que não é capaz de usar todos os recursos que estão à sua volta. É disto também que trata a Educação Inclusiva – do direito de todos poderem ser educados em ambientes em que aprendem que uma dificuldade é uma oportunidade e que uma informação, por muito sedutora que pareça, não é senão o primeiro passo para criar conhecimento.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: 2ª newsletter referente ao mês de Maio da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
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