domingo, 9 de março de 2014

Uma sombra no Reino da Cornucópia (ou, a curta saga de como vivi esta Ilusão)



O edital era claro. O Reino da Cornucópia corria perigo.

Qual apelo a roçar a desesperança, à turba era requerida prestação na forma dum empenho formal, cujo preito se pretendia absoluto. E eis que vindos de vários recantos circunvizinhos ao reino, ali chegaram muitas gentes prontas de tal entrega. Homens e mulheres, novos e velhos, altos e baixos, louros e morenos, e muitos outros cuja adjetivação se alongava, responderam em número generoso ao chamamento. Difícil terá sido a eleição. O douto soberano, esse, senhor intemporal de muitas outras batalhas travadas, entregou-se com os seus demais ao escolhimento de tal multidão, porventura desígnio ingrato pela eliminação previdente duns em detrimento doutros. Uma a uma, foram estas gentes ouvidas, como se duma profissão de fé se tratasse. Postas que estavam as declarações públicas que cada um fez dos seus princípios, coube ao soberano do reino a escolha dos seus cruzados. Seriam 59, número ímpar sem par. Agora, a verdadeira preparação iria principiar.

Em torno duma távola que não redonda, se procedeu à leitura comum da escritura. Passagem a passagem, assim ficámos a conhecer os propósitos que nos aguardavam. Cada um desempenharia a sua função específica, disso não restava qualquer incerteza. Quer agrupados por alas ou centrados no terreno, a táctica foi sendo delineada. O soberano nada descurava. Posições sabidas que quase estavam, foi o texto sagrado sendo assimilado até à exaustão. Que a ninguém restasse qualquer dúvida sobre aquele, que ao mais incauto poderia trazer a desventura. O movimento destas hostes careceu igualmente de muitos cuidados e receios, posta que estava a chusma várias vezes em presença no terreno.

O condestável, esse, coadjuvante máximo de tão nobre soberano, ao qual cuja fadiga por vezes se acercava, continuava tanto quanto possível incansável, marcando e remarcando horas sucessivas, pois que a tarefa se mostrava longa em tão curto espaço de tempo, e estas gentes tinham entre mãos outros afazeres.

Dia a dia a contenda foi sendo preparada. Chegado o momento da indumentária, cada um proveu-se das suas vestes de batalha, augúrio supremo de boa prestação na façanha que se adivinhava. As sortes estavam lançadas e laçados estávamos todos a um mesmo ideal, neste franco contubérnio.
A justa estava para breve.

Chegado o dia mor e dispostas que foram as hostes no terreno, numa disposição em vogal aberta quase perfeita, aguardou-se paulatinamente, dia após dia, a chegada contínua de vastas hordas, vindas sabe-se lá de que recantos afastados da imensidade.
Cada gesta prometia ser rija.

A caterva, ou completa ou parcial, removia-se no terreno em uníssono, recuos e avanços sucessivos, entrando e saindo seus pares consoante as imposições dos escritos, deixando o hostil estarrecido. Ora surgiam deste reacções pusilânimes mais ou menos esparsas, ora acometiam mais raramente brados sonoros que mais não faziam que, ao invés da desmotivação, aumentar a autoestima e a entrega à contenda dos destemidos cavaleiros de tal senhor.
Por fim a rendição era total.

Dia a dia se foi fazendo noite a noite cada vitória completa. O soberano reinante, que da batalha também fazia parte, acudia bem antes do final, para que o desnorte do auditório em torvelinho, conduzisse à sua própria entrega. E assim acontecia. Uns, abandonando vagarosamente o local da contenda, retinham ainda suas visões sobre aqueles 59 briosos cruzados, extasiados que estavam pelo feito alcançado, que festejavam com cânticos e danças o meritório triunfo. Outros, deixavam-se contagiar pelo calor da vitória e juntavam-se também ao folguedo, não se dando conta de vencedores e vencidos. Todos numa irmandade.
Por breves instantes o Mundo estava todo ali e parecia perfeito.

Eu, que como Sombra em tal momento servi tamanho soberano e seu infatigável séquito, olho agora para trás e vejo já um tempo de saudade imensa. Nunca a elucidação clara e a palavra reconfortante proferidas pelo monarca, foram parcas de conteúdo. Para esta Sombra, foi concomitantemente um tempo de aprendizagem e engrandecimento. Há no entanto um saber de função cumprida, cujas lacunas técnicas por mim ostentadas, tentei compensar pela entrega incondicional a esta empresa. Fui um privilegiado no meio de tantos outros.

Que nunca o Reino da Cornucópia soçobre por falta de apoio!
Que nunca o seu suserano se encontre titubeante perante tal incerteza!
Que nunca esta Arte deixe de o ser para o Ser, ávido que está de saber!
Que a nova invocação, decerto qualquer um dos 59 responderá prontamente!
Longa vida ao Reino da Cornucópia!

De…

…uma Sombra incondicionalmente grata e amiga.

Paulo Almeida

foto de:  Manuel Tomé Romano 

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