Um colega falou-me deste livro que acabou por me emprestar, ficando este à espera de ser lido num espaço reservado aos livros emprestados.
Tendo por defeito, andar sempre com um livro na mala, peguei nele inúmeras vezes, mas o seu volume (336 páginas) impediu que em muitas circunstâncias o levasse comigo. Também é verdade que existe sempre outros livros à espera de serem lidos, colocados na prateleira de livros comprados. Tenho uma irresistível tendência para comprar mais livros do que aqueles que efectivamente consigo ler, mas mantenho a esperança convicta que vão ser lidos algum dia!Em período de férias levei-o comigo. É uma época em que alivio consideravelmente as prateleiras anteriormente citadas.
“O Menino de Cabul” é um livro que me deu imenso prazer de ler, que me deixou presa da primeira à última página, não aquele prazer simples e agradável de uma leitura tranquila, antes pelo contrário, pela narrativa escrita de forma arrebatadora e dilacerante, com o autor a fugir a clichés e a lugares comuns, mas a não evitá-los se for caso disso, constantemente alterada com sucessivas reviravoltas inesperadas e, na sua maioria, quase sempre perturbadoras, onde a evocação das emoções à provocação do leitor são uma constante.
O menino de Cabul não conta simplesmente a vida de um, mas de dois rapazes, Amir e Hassan. Crianças como tantas outras, retrato de um emaranhado familiar e de um enredo de amizade à mistura com falsidades e traições, acentuadas por injustas relações sociais.
O personagem principal, Amir, filho de Baba, patriarca e homem da sociedade, perdeu a mãe no momento do nascimento. Hassan é filho do criado da casa de Baba, e, para além de amigo de Amir, é também seu criado.
A história de vida destes dois rapazes (que brincam juntos, apesar da posição social que os separa, subindo às árvores, jogando às cartas e fazendo voar papagaios) é a de uma aparente amizade vulgar, que um acto de Assef e a reacção cobarde de Amir interrompe. Tal como é interrompida a normalidade da vida de um país afectado pela desumanidade da guerra.
A metáfora do papagaio, utilizada no título original “Kite Runner” remete-nos para a mutação de uma cidade como cenário deste enredo, ao longo de vários anos. Cabul de 1978, com o céu pintado de papagaios de papel lançados pelas crianças, reflexo de uma cidade repleta de vida, alegria animação e cor. Contrastando com a que Amir encontra, quando, vinte anos mais tarde, lá regressa. Uma cidade lamacenta, amedrontada, cuja alegria dos papagaios foi proibida e onde se assiste a julgamentos e apedrejamentos no intervalo de um jogo de futebol.
Neste livro de Khaled Hosseini, publicado em 2003, o fantástico enredo e o testemunho histórico tem no voo do papagaio de papel a alegoria à liberdade. Liberdade, porém não duradoura, quer num país que se transforma, dominado pela guerra, quer na revelação dos sentidos, do personagem principal, através de uma história contada em “flashback”, uma viagem de regresso ao passado, ao remorso e à expiação dos pecados. Uma revelação emocional, nascida do remorso persistente da personagem principal, sobre o cenário que é, em si, outro enredo: o da mutação de um país e de um povo. Tal como referido no livro, "A vida é um comboio... Não o percas!" Este livro fala de uma viagem de uma vida e como cada um de nós com as nossas acções podemos condicionar a nossa vida e a dos outros.
O autor explica, em dado momento no seu livro, que os Americanos detestam que se lhes conte o fim das histórias, referindo-se a um episódio em que conta a um desconhecido, num clube de vídeo, o fim do filme “ Os sete magníficos”.
Seguindo este pensamento também não vou contar o final da história. Posso até incorrer em dizer alguma mentira e “Quando dizemos uma mentira, roubamos a alguém o direito à verdade."pg.26
Posso só referir o meu ponto de vista e dizer que é uma história inesquecível sobre a amizade, a culpa, a mentira, os erros e a sua redenção, (“Nunca é tarde para acertar as contas”- pg.211), sobre o amor e o ódio, a coragem, a lealdade, a passagem inexorável do tempo e as ligações e saudades da terra natal.
Sem dúvida que considero uma obra comovente e poética que apela à ética humana e à ideologia de liberdade mas que evidencia precisamente esse contraste e fragilidade da civilização humana que através de convicções politicas e religiosas, impedem essa mesma dignidade e liberdade humana de poder soar mais alto…
EC
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