Os problemas da Inclusão resolvem-se com… mais inclusão.
por David Rodrigues Professor da Universidade Técnica de Lisboa
retirado na integra de:
http://www.cadin.net/uploads/docs/David%20Rodrigues.pdf
1. Introdução
O discurso político das sociedades contemporâneas dá uma grande ênfase à participação dos cidadãos na vida colectiva. Esta participação social é encarada com uma pedra angular não só da vivência democrática mas também do desenvolvimento comunitário, escolar e económico. A participação tornou-se um conceito-chave e um objectivo central na concepção de políticas e na implementação de programas para todas as pessoas e em particular as com condições de deficiência (PCD). Este reiterado ênfase na importância da participação indicia que faixas importantes da população podem ser ou estar afastados da tão desejada participação social. E perguntaríamos: porquê? Porque razões a participação (que tão essencial parece nos princípios) acabou por se tornar tão escassa em PCD e noutras significativas faixas populacionais?
Aduziríamos três razões.
1. Antes de mais a participação social exige, pela sua complexidade, um conjunto muito avançado de competências ao nível individual. Participar socialmente implica competências muito diversificadas ao nível dos conhecimentos, das interacções humanas, conhecimento dos contextos sociais, utilização de recursos, etc. Entre estas competências estão, sem dúvida, as que implicam a utilização de sistemas complexos de
informação. É de notar neste aspecto, que as sociedades contemporâneas vivem numa profunda interdependência funcional. Viver numa sociedade moderna implica informação e conhecimentos de utilização de uma variadíssima gama de recursos. Se cada pessoa
pensar nas suas actividades quotidianas facilmente constatará que usa informação, utensílios, serviços, meios e recursos que foram concebidos por outras pessoas. Assim, a complexidade é um primeiro factor que certamente afasta largas faixas da população (ex: PCD, idosos, iletrados, pobres, pessoas com diferentes culturas de origem, etc.) da
participação social. Isto porque as capacidades que estas pessoas dispõem não são suficientes para lidar com a complexidade de utilização que lhes é exigida. Um exemplo: quem conhece todas as condições contratuais que implica a utilização de um simples cartão de crédito?
2. A complexidade liga-se pois à exclusão. Muitas pessoas ficam excluídas por não terem acesso aos meios que lhes permitiriam lidar com a complexidade informacional e de procedimentos que a participação numa sociedade complexa implica.
3. Reconhecendo o facto que a complexidade excluiu muitas pessoas da participação social, desenvolveram-se modelos teóricos e empíricos que seriam remediadores deste estado de coisas. Modelos que procuram “re-ligar” à sociedade as pessoas excluídas oferecendo-lhes pontes que lhes permitam, pelo menos de uma forma mitigada, a participação na vida social. Estes modelos “benignos” actuam procurando remover alguns dos aspectos que levaram a que a participação se tornasse mais restrita. Por exemplo: apoiar idosos na gestão do seu dinheiro (e este vindo da escola) atenuando ou removendo da vida escolar um ambiente fortemente competitivo que podem desencorajar a participação.
A Educação Inclusiva (EI) poder-se-ia incluir no âmbito destas políticas que procuram aumentar a participação tornando acessível para todos os mecanismos através dos quais a participação escolar se pode verificar.
Recentemente a UNESCO na Conferência Internacional de Educação Inclusiva realizada em Novembro de 2008 em Genebra, indicou que são quatro os pilardes conceptuais da EI:
a) é um processo e como tal um permanente caminho de aperfeiçoamento,
b) destina-se às populações com maior risco de exclusão (insucesso, abandono escolar, etc.),
c) implica a preocupação com o sucesso de todos os alunos e
d) é centrado na identificação e remoção de barreiras à aprendizagem.
Do documento final da mesma conferência pode-se ler:
“Reconhecemos que a educação inclusiva é um processo em curso que visa possibilitar educação de qualidade para todos, respeitando a diversidade e as diferentes necessidades e capacidades, características e expectativas de aprendizagem dos alunos e das comunidades, eliminando todas as formas de discriminação.”
2. Um caso exemplar
Foi abundantemente discutido há alguns meses um caso passado na freguesia da Barqueiros - Barcelos sobre a forma como eram educados alunos da etnia cigana na escola pública local. A escola optou por organizar uma turma só com alunos ciganos e – este foi o facto mais saliente, esta turma tem aulas num monobloco (vulgo “contentor”) que não faz parte do edifício da escola. Os alunos ciganos estão assim todos agrupados numa turma e a sala em que as aulas são realizadas é um contentor fora do edifício.
Este caso parece um bom exemplo para se discutir alguns dos princípios e práticas da EI. Para isso vamos identificar e comentar quatro razões que foram dadas por responsáveis do Ministério da Educação (DREN) e outras vozes que se levantaram para justificar e explicar este insólito caso.
1ª razão - “Os pais concordaram”. A concordância dos pais surgiu em primeiro lugar como legitimadora deste modelo. A concordância dos pais é sem dúvida importante. Mas não resolve o assunto.
por David Rodrigues Professor da Universidade Técnica de Lisboa
retirado na integra de:
http://www.cadin.net/uploads/docs/David%20Rodrigues.pdf
1. Introdução
O discurso político das sociedades contemporâneas dá uma grande ênfase à participação dos cidadãos na vida colectiva. Esta participação social é encarada com uma pedra angular não só da vivência democrática mas também do desenvolvimento comunitário, escolar e económico. A participação tornou-se um conceito-chave e um objectivo central na concepção de políticas e na implementação de programas para todas as pessoas e em particular as com condições de deficiência (PCD). Este reiterado ênfase na importância da participação indicia que faixas importantes da população podem ser ou estar afastados da tão desejada participação social. E perguntaríamos: porquê? Porque razões a participação (que tão essencial parece nos princípios) acabou por se tornar tão escassa em PCD e noutras significativas faixas populacionais?
Aduziríamos três razões.
1. Antes de mais a participação social exige, pela sua complexidade, um conjunto muito avançado de competências ao nível individual. Participar socialmente implica competências muito diversificadas ao nível dos conhecimentos, das interacções humanas, conhecimento dos contextos sociais, utilização de recursos, etc. Entre estas competências estão, sem dúvida, as que implicam a utilização de sistemas complexos de
informação. É de notar neste aspecto, que as sociedades contemporâneas vivem numa profunda interdependência funcional. Viver numa sociedade moderna implica informação e conhecimentos de utilização de uma variadíssima gama de recursos. Se cada pessoa
pensar nas suas actividades quotidianas facilmente constatará que usa informação, utensílios, serviços, meios e recursos que foram concebidos por outras pessoas. Assim, a complexidade é um primeiro factor que certamente afasta largas faixas da população (ex: PCD, idosos, iletrados, pobres, pessoas com diferentes culturas de origem, etc.) da
participação social. Isto porque as capacidades que estas pessoas dispõem não são suficientes para lidar com a complexidade de utilização que lhes é exigida. Um exemplo: quem conhece todas as condições contratuais que implica a utilização de um simples cartão de crédito?
2. A complexidade liga-se pois à exclusão. Muitas pessoas ficam excluídas por não terem acesso aos meios que lhes permitiriam lidar com a complexidade informacional e de procedimentos que a participação numa sociedade complexa implica.
3. Reconhecendo o facto que a complexidade excluiu muitas pessoas da participação social, desenvolveram-se modelos teóricos e empíricos que seriam remediadores deste estado de coisas. Modelos que procuram “re-ligar” à sociedade as pessoas excluídas oferecendo-lhes pontes que lhes permitam, pelo menos de uma forma mitigada, a participação na vida social. Estes modelos “benignos” actuam procurando remover alguns dos aspectos que levaram a que a participação se tornasse mais restrita. Por exemplo: apoiar idosos na gestão do seu dinheiro (e este vindo da escola) atenuando ou removendo da vida escolar um ambiente fortemente competitivo que podem desencorajar a participação.
A Educação Inclusiva (EI) poder-se-ia incluir no âmbito destas políticas que procuram aumentar a participação tornando acessível para todos os mecanismos através dos quais a participação escolar se pode verificar.
Recentemente a UNESCO na Conferência Internacional de Educação Inclusiva realizada em Novembro de 2008 em Genebra, indicou que são quatro os pilardes conceptuais da EI:
a) é um processo e como tal um permanente caminho de aperfeiçoamento,
b) destina-se às populações com maior risco de exclusão (insucesso, abandono escolar, etc.),
c) implica a preocupação com o sucesso de todos os alunos e
d) é centrado na identificação e remoção de barreiras à aprendizagem.
Do documento final da mesma conferência pode-se ler:
“Reconhecemos que a educação inclusiva é um processo em curso que visa possibilitar educação de qualidade para todos, respeitando a diversidade e as diferentes necessidades e capacidades, características e expectativas de aprendizagem dos alunos e das comunidades, eliminando todas as formas de discriminação.”
2. Um caso exemplar
Foi abundantemente discutido há alguns meses um caso passado na freguesia da Barqueiros - Barcelos sobre a forma como eram educados alunos da etnia cigana na escola pública local. A escola optou por organizar uma turma só com alunos ciganos e – este foi o facto mais saliente, esta turma tem aulas num monobloco (vulgo “contentor”) que não faz parte do edifício da escola. Os alunos ciganos estão assim todos agrupados numa turma e a sala em que as aulas são realizadas é um contentor fora do edifício.
Este caso parece um bom exemplo para se discutir alguns dos princípios e práticas da EI. Para isso vamos identificar e comentar quatro razões que foram dadas por responsáveis do Ministério da Educação (DREN) e outras vozes que se levantaram para justificar e explicar este insólito caso.
1ª razão - “Os pais concordaram”. A concordância dos pais surgiu em primeiro lugar como legitimadora deste modelo. A concordância dos pais é sem dúvida importante. Mas não resolve o assunto.
Por exemplo: afinal o que é que os pais concordaram? O que lhes foi dito para que eles
concordassem? Levantam-se ainda outras questões quando tanta credibilidade é dada às opiniões dos pais: Será que se eles se opusessem a solução encontrada teria sido diferente?
2ª razão - . É aceitável se for um “caso intermédio de integração”.
Algumas pessoas falaram num caso intermédio de integração. O caso intermédio de integração, neste caso, é colocar todos os alunos de uma dada etnia juntos e fora do edifício da escola. É isso? Se se trata de um caso intermédio podemos perguntar qual é o modelo que se procura seguir. Quais são as alterações curriculares? Este caso intermédio tem prazo para acabar? Quando? O que o faz acabar? Que avaliação?
Quando é e que critérios têm que ser preenchidos para que estes alunos
tenham “alta”?
3. Há outros alunos a terem aulas em monoblocos. Noutras escolas e devido a dificuldades com o parque escolar construído há alunos que têm aulas em monoblocos. Certo, mas… Estão sempre lá? E se estão sempre lá também é por serem ciganos (ou terem deficiências ou …?
Não parece que esta situação seja análoga às outras e caiba nesta explicação do tipo “estamos todos no mesmo barco”.
4. “É melhor para a aprendizagem/ frequência dos alunos. Por vezes a solução não é “misturar” os alunos”. Aqui se afirma que a turma só de alunos ciganos e separada da escola é melhor para a aprendizagem e para a frequência. Ora aqui está um bom tema de investigação: qual o currículo que melhor aprendizagem propiciaria aos alunos ciganos? ED qual a organização escolar que mais positivamente influenciaria a sua frequência às aulas? Boas questões para estudar e não para se tomarem à partida decisões como se já estivessem estudadas. Mas disse a seguir que “por vezes a solução não é misturar”. Esta formulação peca por excessivamente prudente: a solução NUNCA é de misturar
(diluir, baralhar, confundir) os alunos. Uma escola que misture os alunos é tudo menos inclusiva. Na EI o aluno não se mistura, pelo contrário a sua individualidade é o ponto de partida essencial para que reconheça e respeite a sua diferença.
E algumas reflexões
As questões levantadas neste caso exemplar remetem-nos para um reflexão sobre as possibilidades e os limites de um sistema de educação que “elimine todas as formas de discriminação”. Desde logo e para discutir este caso se deve rejeitar qualquer aproximação que veja esta situação somo simples ou que tenha ideias definitivas e firmadas sobre o que deve ser feito.
Recorreríamos à palavra que Edgar Morin introduziu na reflexão educativa:
complexidade. Trata-se de uma caso complexo e que pode ser visto com dimensões teóricas e práticas distintas. Deixaria aqui 5 reflexões:
1. Há sem dúvida uma procura de homogeneidade do grupo de alunos. Ao juntar todos os alunos ciganos numa turma existe uma intenção de diminuindo a heterogeneidade conseguir melhores resultados no processo educativo. Mas esta procura da homogeneidade é irrealista.
Um grupo aleatório de alunos nunca é homogéneo em termos de nível de ponto de partida, percurso e ponto de chegada de aprendizagem. E se fosse, por exemplo homogéneo no ponto de partida, seria somente num domínio do conhecimento. Uma turma “homogénea” em Língua portuguesa” continua a ser homogénea na aula de Matemática? E na de Educação Física? E na de Música? Constituir a turma por razões de
homogeneidade é um profundo erro. E que ainda mais se acentua pelo facto de se lançar a suposição que é a pertença cultural à cultura cigana que torna os alunos mais homogéneos. Como se todos os ciganos fossem iguais em termos de aprendizagem.
2. Qual é a aproximação que a escola faz para entender a cultura da turma? Que conhecimento têm os professores da cultura romani? E conhecendo-a como dela se parte para alfabetizar, escolarizar e educar os alunos? Sabemos que existe um longo historial de incompreensões entre estar duas culturas: os ciganos são vistos (e fazem o possível para cumprir a profecia) como “casos perdidos”. Mas o que faz a escola para
entender o que é a escola (e que escola) para os alunos ciganos? Sem conhecer as culturas, sem pôr em causa as culturas (toas as culturas em presença) não as poderemos modificar e questionar. Ficaremos presos às tradições que por muito antigas que sejam são absurdas para uma sociedade que queremos igualitária em termos de participação. Que faz a escola para melhor conhecer os alunos ciganos?
3. A EI defende que a diferença entre as pessoas é inerente à sua condição humana e por isso fundamental para, conhecendo-a, permitir uma maior qualidade e riqueza nas aprendizagens. A aprendizagem, vista como uma mudança de paradigma na representação de uma realidade, é enriquecida pelos contrastes que diferentes formas de ser, de estar, de aprender, de valorizar, lhe podem trazer. Podemos assim dizer que a procura da homogeneidade é um empobrecimento do processo educativo. Ninguém deveria ter mandato para privar quem quer que seja do convívio com as diferenças que são inerentes à condição humana. Enquanto sistema educativo a EI procura preservar a
heterogeneidade que existe nas comunidades e usa-la para melhorar e dar mais qualidade às aprendizagens de todos os alunos. Esta heterogeneidade é fundamental para ser um cidadão participativo numa sociedade reconhecidamente plural, necessitando de mediação, negociação e plataformas de entendimento.
4. Assim o objectivo de conhecer as diferenças dos alunos não é para acabar com elas. Não queremos conhecer para melhor as eliminar: a EI quer conhecer a naturais diferenças entre os alunos para melhorar os processos de aprendizagem, melhorar o seu conhecimento do mundo e da convivência responsável e solidária. E aqui muda em muito o papel da escola: não um papel de homogeneização ou de normalização mas um papel de emancipa tório e incentivador de percursos pessoais por uma lado mas comprometidos com os colectivo por outro.
5. Que significa então uma turma de meninos ciganos num contentor ao lado da escola? Não é uma procura de homogeneidade, nem de uma pedagogia apropriada, não é claro que melhore a aprendizagem ou a frequência… De que se trata então? É certamente um resquício de tradição de segregação, de ideias feitas e não científicas sobre o processo educacional.
Pensando em “participação”: será possível antever qual será o contributo que este enquadramento educativo dará à participação deste cidadãos portugueses e ciganos na sociedade? Como irão eles lidar com a complexidade, com a diversidade? E daí que digamos que os problemas reais e complexos da Inclusão não se resolvam com o abandono dos modelos inclusivos mas com o reforço da inclusão (formação dos agentes educativos, mais e melhores serviços de apoio, mais e melhores recursos, etc).
A escola ensina mesmo quando não há aulas… e a turma de alunos ciganos
no contentor é um curso intensivo e avançado em exclusão escolar e social.
concordassem? Levantam-se ainda outras questões quando tanta credibilidade é dada às opiniões dos pais: Será que se eles se opusessem a solução encontrada teria sido diferente?
2ª razão - . É aceitável se for um “caso intermédio de integração”.
Algumas pessoas falaram num caso intermédio de integração. O caso intermédio de integração, neste caso, é colocar todos os alunos de uma dada etnia juntos e fora do edifício da escola. É isso? Se se trata de um caso intermédio podemos perguntar qual é o modelo que se procura seguir. Quais são as alterações curriculares? Este caso intermédio tem prazo para acabar? Quando? O que o faz acabar? Que avaliação?
Quando é e que critérios têm que ser preenchidos para que estes alunos
tenham “alta”?
3. Há outros alunos a terem aulas em monoblocos. Noutras escolas e devido a dificuldades com o parque escolar construído há alunos que têm aulas em monoblocos. Certo, mas… Estão sempre lá? E se estão sempre lá também é por serem ciganos (ou terem deficiências ou …?
Não parece que esta situação seja análoga às outras e caiba nesta explicação do tipo “estamos todos no mesmo barco”.
4. “É melhor para a aprendizagem/ frequência dos alunos. Por vezes a solução não é “misturar” os alunos”. Aqui se afirma que a turma só de alunos ciganos e separada da escola é melhor para a aprendizagem e para a frequência. Ora aqui está um bom tema de investigação: qual o currículo que melhor aprendizagem propiciaria aos alunos ciganos? ED qual a organização escolar que mais positivamente influenciaria a sua frequência às aulas? Boas questões para estudar e não para se tomarem à partida decisões como se já estivessem estudadas. Mas disse a seguir que “por vezes a solução não é misturar”. Esta formulação peca por excessivamente prudente: a solução NUNCA é de misturar
(diluir, baralhar, confundir) os alunos. Uma escola que misture os alunos é tudo menos inclusiva. Na EI o aluno não se mistura, pelo contrário a sua individualidade é o ponto de partida essencial para que reconheça e respeite a sua diferença.
E algumas reflexões
As questões levantadas neste caso exemplar remetem-nos para um reflexão sobre as possibilidades e os limites de um sistema de educação que “elimine todas as formas de discriminação”. Desde logo e para discutir este caso se deve rejeitar qualquer aproximação que veja esta situação somo simples ou que tenha ideias definitivas e firmadas sobre o que deve ser feito.
Recorreríamos à palavra que Edgar Morin introduziu na reflexão educativa:
complexidade. Trata-se de uma caso complexo e que pode ser visto com dimensões teóricas e práticas distintas. Deixaria aqui 5 reflexões:
1. Há sem dúvida uma procura de homogeneidade do grupo de alunos. Ao juntar todos os alunos ciganos numa turma existe uma intenção de diminuindo a heterogeneidade conseguir melhores resultados no processo educativo. Mas esta procura da homogeneidade é irrealista.
Um grupo aleatório de alunos nunca é homogéneo em termos de nível de ponto de partida, percurso e ponto de chegada de aprendizagem. E se fosse, por exemplo homogéneo no ponto de partida, seria somente num domínio do conhecimento. Uma turma “homogénea” em Língua portuguesa” continua a ser homogénea na aula de Matemática? E na de Educação Física? E na de Música? Constituir a turma por razões de
homogeneidade é um profundo erro. E que ainda mais se acentua pelo facto de se lançar a suposição que é a pertença cultural à cultura cigana que torna os alunos mais homogéneos. Como se todos os ciganos fossem iguais em termos de aprendizagem.
2. Qual é a aproximação que a escola faz para entender a cultura da turma? Que conhecimento têm os professores da cultura romani? E conhecendo-a como dela se parte para alfabetizar, escolarizar e educar os alunos? Sabemos que existe um longo historial de incompreensões entre estar duas culturas: os ciganos são vistos (e fazem o possível para cumprir a profecia) como “casos perdidos”. Mas o que faz a escola para
entender o que é a escola (e que escola) para os alunos ciganos? Sem conhecer as culturas, sem pôr em causa as culturas (toas as culturas em presença) não as poderemos modificar e questionar. Ficaremos presos às tradições que por muito antigas que sejam são absurdas para uma sociedade que queremos igualitária em termos de participação. Que faz a escola para melhor conhecer os alunos ciganos?
3. A EI defende que a diferença entre as pessoas é inerente à sua condição humana e por isso fundamental para, conhecendo-a, permitir uma maior qualidade e riqueza nas aprendizagens. A aprendizagem, vista como uma mudança de paradigma na representação de uma realidade, é enriquecida pelos contrastes que diferentes formas de ser, de estar, de aprender, de valorizar, lhe podem trazer. Podemos assim dizer que a procura da homogeneidade é um empobrecimento do processo educativo. Ninguém deveria ter mandato para privar quem quer que seja do convívio com as diferenças que são inerentes à condição humana. Enquanto sistema educativo a EI procura preservar a
heterogeneidade que existe nas comunidades e usa-la para melhorar e dar mais qualidade às aprendizagens de todos os alunos. Esta heterogeneidade é fundamental para ser um cidadão participativo numa sociedade reconhecidamente plural, necessitando de mediação, negociação e plataformas de entendimento.
4. Assim o objectivo de conhecer as diferenças dos alunos não é para acabar com elas. Não queremos conhecer para melhor as eliminar: a EI quer conhecer a naturais diferenças entre os alunos para melhorar os processos de aprendizagem, melhorar o seu conhecimento do mundo e da convivência responsável e solidária. E aqui muda em muito o papel da escola: não um papel de homogeneização ou de normalização mas um papel de emancipa tório e incentivador de percursos pessoais por uma lado mas comprometidos com os colectivo por outro.
5. Que significa então uma turma de meninos ciganos num contentor ao lado da escola? Não é uma procura de homogeneidade, nem de uma pedagogia apropriada, não é claro que melhore a aprendizagem ou a frequência… De que se trata então? É certamente um resquício de tradição de segregação, de ideias feitas e não científicas sobre o processo educacional.
Pensando em “participação”: será possível antever qual será o contributo que este enquadramento educativo dará à participação deste cidadãos portugueses e ciganos na sociedade? Como irão eles lidar com a complexidade, com a diversidade? E daí que digamos que os problemas reais e complexos da Inclusão não se resolvam com o abandono dos modelos inclusivos mas com o reforço da inclusão (formação dos agentes educativos, mais e melhores serviços de apoio, mais e melhores recursos, etc).
A escola ensina mesmo quando não há aulas… e a turma de alunos ciganos
no contentor é um curso intensivo e avançado em exclusão escolar e social.
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