O edital era
claro. O Reino da Cornucópia corria perigo.
Qual apelo a roçar
a desesperança, à turba era requerida prestação na forma dum empenho formal,
cujo preito se pretendia absoluto. E eis que vindos de vários recantos
circunvizinhos ao reino, ali chegaram muitas gentes prontas de tal entrega.
Homens e mulheres, novos e velhos, altos e baixos, louros e morenos, e muitos
outros cuja adjetivação se alongava, responderam em número generoso ao
chamamento. Difícil terá sido a eleição. O douto soberano, esse, senhor
intemporal de muitas outras batalhas travadas, entregou-se com os seus demais
ao escolhimento de tal multidão, porventura desígnio ingrato pela eliminação
previdente duns em detrimento doutros. Uma a uma, foram estas gentes ouvidas,
como se duma profissão de fé se tratasse. Postas que estavam as declarações
públicas que cada um fez dos seus princípios, coube ao soberano do reino a
escolha dos seus cruzados. Seriam 59, número ímpar sem par. Agora, a verdadeira
preparação iria principiar.
Em torno duma
távola que não redonda, se procedeu à leitura comum da escritura. Passagem a
passagem, assim ficámos a conhecer os propósitos que nos aguardavam. Cada um
desempenharia a sua função específica, disso não restava qualquer incerteza.
Quer agrupados por alas ou centrados no terreno, a táctica foi sendo delineada.
O soberano nada descurava. Posições sabidas que quase estavam, foi o texto
sagrado sendo assimilado até à exaustão. Que a ninguém restasse qualquer dúvida
sobre aquele, que ao mais incauto poderia trazer a desventura. O movimento
destas hostes careceu igualmente de muitos cuidados e receios, posta que estava
a chusma várias vezes em presença no terreno.
O condestável,
esse, coadjuvante máximo de tão nobre soberano, ao qual cuja fadiga por vezes
se acercava, continuava tanto quanto possível incansável, marcando e remarcando
horas sucessivas, pois que a tarefa se mostrava longa em tão curto espaço de
tempo, e estas gentes tinham entre mãos outros afazeres.
Dia a dia a
contenda foi sendo preparada. Chegado o momento da indumentária, cada um
proveu-se das suas vestes de batalha, augúrio supremo de boa prestação na
façanha que se adivinhava. As sortes estavam lançadas e laçados estávamos todos
a um mesmo ideal, neste franco contubérnio.
A justa estava
para breve.
Chegado o dia mor
e dispostas que foram as hostes no terreno, numa disposição em vogal aberta
quase perfeita, aguardou-se paulatinamente, dia após dia, a chegada contínua de
vastas hordas, vindas sabe-se lá de que recantos afastados da imensidade.
Cada gesta
prometia ser rija.
A caterva, ou
completa ou parcial, removia-se no terreno em uníssono, recuos e avanços
sucessivos, entrando e saindo seus pares consoante as imposições dos escritos,
deixando o hostil estarrecido. Ora surgiam deste reacções pusilânimes mais ou
menos esparsas, ora acometiam mais raramente brados sonoros que mais não faziam
que, ao invés da desmotivação, aumentar a autoestima e a entrega à contenda dos
destemidos cavaleiros de tal senhor.
Por fim a rendição
era total.
Dia a dia se foi
fazendo noite a noite cada vitória completa. O soberano reinante, que da
batalha também fazia parte, acudia bem antes do final, para que o desnorte do
auditório em torvelinho, conduzisse à sua própria entrega. E assim acontecia.
Uns, abandonando vagarosamente o local da contenda, retinham ainda suas visões
sobre aqueles 59 briosos cruzados, extasiados que estavam pelo feito alcançado,
que festejavam com cânticos e danças o meritório triunfo. Outros, deixavam-se
contagiar pelo calor da vitória e juntavam-se também ao folguedo, não se dando
conta de vencedores e vencidos. Todos numa irmandade.
Por breves
instantes o Mundo estava todo ali e parecia perfeito.
Eu, que como
Sombra em tal momento servi tamanho soberano e seu infatigável séquito, olho
agora para trás e vejo já um tempo de saudade imensa. Nunca a elucidação clara
e a palavra reconfortante proferidas pelo monarca, foram parcas de conteúdo.
Para esta Sombra, foi concomitantemente um tempo de aprendizagem e
engrandecimento. Há no entanto um saber de função cumprida, cujas lacunas
técnicas por mim ostentadas, tentei compensar pela entrega incondicional a esta
empresa. Fui um privilegiado no meio de tantos outros.
Que nunca o Reino
da Cornucópia soçobre por falta de apoio!
Que nunca o seu
suserano se encontre titubeante perante tal incerteza!
Que nunca esta
Arte deixe de o ser para o Ser, ávido que está de saber!
Que a nova
invocação, decerto qualquer um dos 59 responderá prontamente!
Longa vida ao
Reino da Cornucópia!
De…
…uma Sombra incondicionalmente grata e
amiga.
Paulo Almeida
foto de: Manuel Tomé Romano
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