Mais Pequena
Sou”
Kjersti
Annesdatter Skomsvold
Cavalo de ferro
(2014)
A jovem autora norueguesa, nascida em 1979, neste seu
primeiro romance, resultado de ter estado acamada, vitima de uma doença
prolongada, que de certa forma lhe poderá ter aproximado de um estado de
solidão, retrata as necessidades humanas em situações de fragilidade.
Estudante de engenharia, utiliza os conhecimentos da
física e da matemática para algumas peripécias do seu romance, como é o caso do
nome do marido da personagem principal, Épsilon
(letra grega que remete para as leis matemáticas da probabilidade, num
jogo de acontecimentos da personagem) ou até mesmo o título da obra, que remete para a teoria da
relatividade de Einstein.
Numa narrativa inteligentemente construída, são
abordadas as necessidades da condição humana.
A solidão, problemática desta fase de desenvolvimento
humano, é experienciada como uma necessidade de testemunho de solidariedade
humana.
Num mundo de indiferença e de pouco respeito ou
credibilidade sobre a experiência dos mais velhos, esta obra retrata um pedaço
de vida, um poema em prosa que evidencia as incapacidades progressivas do
corpo.
A personagem principal, Mathea Martinsen, é uma mulher,
quase centenária, anti social, fóbica e com
determinadas obsessões, como palavras
que rimam, por tricotar tapa orelhas, ou baralhar cartas, sete vezes seguidas.
Observadora do mundo sem fazer parte dele, porque não o
entende, embora se esforce, pressentindo o chegar ao fim dos
seus dias, apercebe-se, também, que provavelmente, ninguém deu conta da sua
existência. Decide então que deverá deixar no mundo algo que a recorde. Aliás,
talvez porque a morte, no seu conceito, seja o que provoca inevitavelmente a
vivência do ser humano na sua existência.
(…) “estar morto é
mais especial do que estar vivo”, (…) inúmeras pessoas recebem mais atenção
depois da morte do que alguma vez tiveram quando estavam vivas. Embora no meu
caso eu vá receber praticamente a mesma. ” (pág. 70 e 71).
De certa forma, perturbadora, esta narrativa provoca
precisamente o desejo de viver a vida e é certamente uma ode a esta. Com
sentido apurado de humor, sensibilidade e criatividade ímpar, a autora invoca frequentemente diversas analogias (as notas em rodapé ajudam o
leitor a perceber o contexto) numa prosa arrebatadora de emoções.
Poderá eventualmente, ser lida ao som de Levva Livet na voz de Åge Aleksandersen
(músico norueguês), a explicação para este conselho encontrarão na página 81.
Um romance que viaja numa cápsula do tempo, no seu
duplo sentido, sendo que a protagonista decide a construção de uma, enterrando-a, para que um dia alguém a encontre. Também o percurso da
narrativa é uma viagem, ela própria sobre a passagem do tempo ao longo do
desenvolvimento humano.
Com este romance a
autora foi, merecidamente premiada com o prestigiado prémio Tarjei Vesaas 2009.
“Quanto mais depressa ando, mais pequena sou”, a simbiose da aproximação ao outro, reconhecendo-se
como um ser mais pequeno em relação àquele.
Uma narrativa que aborda
uma personagem nas suas diferenças e fragilidades, nos seus pensamentos e atitudes
perante o mundo que a rodeia. A solidão de quem se considera diferente.
O retrato do ser humano
nas sua passagem pela vida e como os acontecimentos ao longo de um percurso que
progressivamente se escasseia, desencadeiam o modo de estar e de entender o
mundo.
Elvira Cristina Silva
in: Educação Inclusiva - revista da Pró Inclusão . Vol. 7 Nº 2 -
(dezembro 2016) - página 46)