Valério Romão e Alez Gozblau (ilustrações)
Abysmo (2012)
Um livro que no seu
título deixa prever o conteúdo. De certa
forma se enquadra num relato ficcional que, progressivamente e de modo
surpreendente, nos revela um quotidiano de uma família através de episódios alternados
no espaço e no tempo, também com alternância de narradores onde as personagens
vão reagindo.
Alterna entre a rotina dos dias de sufoco face à problemática
central, interrompido por um episódio que acompanha todo o enredo: a sala de
espera de urgências de um hospital, um espaço confinado, quase claustrofóbico,
mas onde se expõe os medos e detalhes de vida fragilizadas e pouco
agradáveis provocadas pela dor. “A dor tudo muda,
mesmo as convicções mais enquistadas na consciência “(pág. 56).
Inteligentemente
arquitectado, um livro que aborda a dor e o vazio numa viagem transformadora
numa busca de esperança. Anseio de um futuro diferente que o presente prevê. Um
relato de saber lúcido sobre as coisas e o equacionar de atitudes num humor
ténue mas fulcral.
Escrito no masculino,
talvez por isso a ausência do amor incondicional, revela a escrita intensa de
quem obviamente viveu a experiência na primeira pessoa, com a autenticidade e
intensidade do incomodo, o peso e as ruínas de uma vida em comum.
O autor não é polido nem
generoso no uso das palavras, usa-as na amargura de quem vive em estado de
luto, não aborda o sucesso nem a felicidade dos bons momentos, mas sim a crua
verdade da dor violenta, visceral num conhecimento autobiográfico (?) do
drama de um sonho incorruptível.
Um futuro desenhado de encanto,
arremessado inconstantemente pelo desejo de alterar o passado, num ambiente kafkiano de uma dor profunda e irreversível.
As ilustrações de Alez
Gozblau constituem o hall de
entrada para a leitura, remetem-nos para o mundo bucólico, introvertido e das
restrições preferenciais do autismo, ilustrações próximas do realismo
fotográfico que nos abrem a porta de uma narrativa incómoda mas atilada.
Pedaços de vidas que permanecem connosco após
a sua leitura. Percebemos a dor mas não totalmente, pois será sempre ficção
para quem tente sequer imaginar ou percepcionar o caos e o luto de um filho
construído mentalmente no ideal dos nossos sonhos.
Elvira Cristina Silva
(junho 2016) - página 50)