Um prédio, diferentes inquilinos. Na maioria dos casos, nada sabemos sobre quem mora no prédio em que habitamos. Cada um é mais do que aparenta, conjeturam-se e interpretam-se comportamentos e respetivas vidas.
Tal como no mundo, este prédio reflete os diferentes territórios, com crenças distintas, culturas díspares, hábitos diversos, gostos e características individuais dos seres humanos. Percepcionam-se os seus passados e motivações.
Herberto Brum, poeta, ou Henrique Belmonte o professor, é o personagem principal, através do qual a sua vida se interliga com os restantes vizinhos. Possuidor de peculiares obsessões e idiossincrasias, habita no mesmo prédio que um judeu ortodoxo, um palestiniano, uma testemunha de Jeová e uma mulher agnóstica. Cada um dos inquilinos, partilha momentos da vida com um mesmo gato, (assumindo a identidade que cada um lhe atribui), observador diligente das tensões, rancores, paixões e conflitos que emergem em cada um e entre os inquilinos.
Dentro de cada habitação reflete-se o mundo atual, cada indivíduo com a sua invulgaridade ou disfuncionalidade. Aborda-se o preconceito, obsessões e tensões que se avolumam, relações de amizade, mas também de desconfiança, raiva e solidão, medos e inseguranças. Características comuns que os interligam. As dúvidas, hesitações e dilemas de cada personagem são relatadas numa cadência jocosa de um olhar atento e reflexivo sobre a diversidade e o olhar o outro. Admirar ou repudia-lo com base em questões religiosas e/ou históricas, em comportamentos ou vicissitudes?
“os poemas pouco mais são que folhas mortas juncando o outono da vida” (pág. 167)
“As cores do vento” (pág. 85), tal como as cores da vida podem assumir diversas nuances. Escrito de modo inteligente e perspicaz, “... a forma cuspida como as palavras...”(pág. 85) retratam a vida, numa narrativa fluída de critica irónica, sobre situações sociais, com um toque de humor e metáforas poéticas.
Este livro chegou-me às mãos, em “humidades de fim de tarde (...) (pág. 85), num contexto muito especial e privilegiado, pelas mãos de alguém, inicialmente desconhecido, mas que tal como num prédio, habitou comigo uma aventura. Ainda bem que as coisas na vida se cruzam. Nada acontece por acaso. “A poesia é intemporal “(pág. 159). Este livro constitui prova disso no duplo sentido que assume para mim. Recomendo que o leiam.
Elvira Cristina Silva
In: Newsletter nº 72 - Pró Inclusão pág. 8 - maio 2014 (2.ª quinzena)
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